Beleza de Arrepiar:
Coloridas e donas de belas cabeleiras
Lindas e perigosas. Não, não é nome de um filme que você já viu ou de alguma série de sucesso da tevê. A definição cai bem para lagartas e taturanas, insetos pertencentes ao grupo dos lepidópteros, que, na fase adulta, transformam-se em borboletas e mariposas. Coloridas e donas de belas cabeleiras - ou estranhos 'penteados' - as taturanas, em especial, seduzem nossa visão e induzem ao toque. Uma atração que pode ser fatal, ou, no mínimo, dolorida. No Brasil, muitas espécies são urticantes - causam 'queimaduras', como se prefere dizer popularmente. É o caso das espécies nas famílias Limacodidae e Arctiidae. Mas as que mais preocupam são espécies das famílias dos Megalopygidae e Saturniidae, com histórico de acidentes com hemorragias e até morte, no contato direto com pessoas.
Em sua maioria, os acidentes derivam da transgressão de uma regra simples, válida tanto para quintais e pomares como para incursões em áreas naturais inexploradas: olhe antes de por a mão ou encostar o corpo. A falta de atenção ensina que mesmo bichos pequenos podem dar muito trabalho e causar muita dor. Claro, nem todas as espécies de lagartas e taturanas são nocivas à saúde, embora o contato com muitas delas possa causar irritação, ardência, queimação, inchaço, avermelhamento, febre e vômitos. Uma forma de diferenciar as mais e menos perigosas é verificar se elas têm ou não cerdas no corpo: as que têm cerdas 'queimam', sendo que as cerdas com ramificações, parecendo 'pinheirinhos' costumam indicar venenos mais potentes, conforme ensina o médico especializado em animais peçonhentos Vidal Haddad, da Universidade Estadual Paulista (Unesp-Jaboticabal).
Em português, chama-se de lagarta aquela que é 'lisa' e de taturana a 'peluda', mas esta é uma diferenciação popular. Para os pesquisadores são todas lagartas. O nome taturana vem do tupi tatarana e se traduz num alerta: tata = fogo e rana = semelhante a, ou seja, tatarana = "semelhante ao fogo". A cor também é um indicativo, mais ou menos confiável. Como no caso de outros animais - anfíbios e répteis, em especial - as cores mais vivas equivalem a um aviso: "não me coma ou não me toque, sou venenosa".
Os lepidópteros existem há 300 milhões de anos e são insetos muito bem adaptados, tendo atravessado grandes mudanças do clima ao longo desse período: glaciações, interglaciações, mais frio, mais calor, maior e menor disponibilidade de água. Num levantamento científico recente para o Projeto Biota, estimou-se a existência, no mundo, de 146.000 espécies conhecidas de lepidópteros, e um total de até 255.000, incluindo as que ainda não foram descritas pela Ciência. No Brasil, são 25.000 catalogadas e 40.0000 estimadas. Conhecidas, no Estado de São Paulo, são 10.840 e estimadas, 15.000. De acordo com a lista vermelha da União para a Conservação Mundial (IUCN) de 2004, 284 espécies de lepidópteros estão ameaçadas de extinção no mundo e 12 no Brasil. A lista vermelha do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) inclui 57 espécies de borboletas e mariposas entre as categorias "vulnerável" e "criticamente ameaçada de extinção".
Todos os lepidópteros têm o mesmo tipo de desenvolvimento, variando apenas os períodos passados em cada fase, conforme a espécie. Os adultos são borboletas ou mariposas que põem ovos, dos quais eclodem larvas (lagartas), que depois se transformam em pupas (com ou sem casulo) e finalmente em adultos. Na fase larval é que ocorrem os acidentes com humanos. Lagartas e taturanas recebem diferentes nomes comuns: marandová, mandorová, mondrová, manduruvá, ruga, oruga, ambira, bicho-cabeludo, lagarta-cabeluda, lagarta-de-fogo e outros menos conhecidos. Com algumas exceções, a borboleta é o adulto alado que voa durante o dia, e a mariposa, à noite.
Depois da última ecdise (troca de pele), quando as taturanas estão próximas de entrar na fase de pupa ou crisálida, tecem um casulo sob as folhas caídas e restos vegetais no solo, ou em ramos nas árvores. É uma fase muito importante: o inseto pára de comer e começa a metamorfose. Forma-se o aparelho bucal, o sexo se define e crescem as asas. Quando o adulto emerge da crisálide ou do casulo, borboleta ou mariposa, macho ou fêmea, as asas endurecem e secam ao entrar em contato com o ar. E segue-se a temporada dos acasalamentos, completando o ciclo evolutivo.
Cores e 'estilos' são muito variados, com combinações que fascinam pela sua beleza, atraindo principalmente as crianças, que cedo aprendem a evitar o toque. No final dos anos 80 e início dos 90, 'taturanas assassinas' colocaram o Sul do País na mídia nacional. A espécie causadora de 6 mortes e de grande parte dos 1.800 acidentes, registrados entre 1989 e 2002 foi Lonomia obliqua, da família Saturniidae. Suas cerdas venenosas, em forma de 'pinheirinho', são responsáveis pelos casos mais graves conhecidos em todo o país. O adulto é uma mariposa de coloração cinza (fêmea) ou amarelo-alaranjada (macho), ambos com uma listra transversal sobre as asas.
Em contato com a pele humana, o veneno da Lonomia obliqua causa uma alteração na coagulação sangüínea chamada síndrome hemorrágica. As conseqüências são hemorragias, manchas escuras e sangramentos pela gengiva, nariz, intestinos, urina e até em feridas já cicatrizadas. Sem atendimento médico, a vítima pode morrer de hemorragia cerebral ou insuficiência renal aguda. O veneno é considerado mais potente do que o das serpentes do gênero Bothrops, o grupo das jararacas, responsável por mais de 90% dos acidentes com cobras no Brasil.
O gênero Lonomia é neotropical e ocorre do México à Argentina. No Brasil há notificação médica de casos de acidentes desde 1912 com um surto em 1980, no Amapá, além desse mais recente, na região Sul, no início dos anos 90. Um dos especialistas brasileiros nesta espécie de taturana é Roberto Henrique Pinto Moraes, do Laboratório de Parasitologia/Entomologia do Instituto Butantan. Ele fez parte da equipe de cientistas que pesquisaram os casos de Lonomia para, em 1994, desenvolver o soro antilonômico, feito a partir do veneno. Único no mundo, o soro contém anticorpos contra as toxinas dessa taturana e com sua produção não foram mais registrados casos de morte.
"Por distração, a pessoa entra em contato com as cerdas das lagartas. Elas liberam toxinas na pele e em um período de 10 horas surgem de simples hematomas a derrames cerebrais, e morte da vítima como conseqüência", diz o pesquisador. Sem a medicação o quadro pode evoluir da forma branda (hematomas) para a média (sangramentos externos) e intensa (hemorragias internas). O soro antilonômico já salvou vidas também em outros países onde o gênero do inseto também ocorre, como Colômbia e Argentina. Produzido pelo Instituto Butantan, é distribuído pelo Ministério da Saúde e pode ser encontrado em hospitais de referência de algumas cidades dos estados do Sul e Sudeste, onde a ocorrência da taturana é maior.
Apesar da fama de 'assassinas', Roberto Moraes contesta a idéia de que as taturanas sejam vilãs: "Elas não são agressivas. Sempre é a pessoa que provoca o contato". O veneno é uma defesa do inseto, mas ainda não se sabe bem porque é tão potente. "Nós estamos aprendendo, e muito, com ela", diz o pesquisador. Durante o desenvolvimento do antídoto ao veneno, por exemplo, foi isolada também uma proteína anticoagulante que poderá, no futuro, ser utilizada contra as doenças de coração e circulação, nos casos de entupimento de veias. E as pesquisas trouxeram boas perspectivas de utilização de um inseticida biológico a partir do vírus "loobMNPV", parasita natural da Lonomia, nocivo apenas para ela. Sua eficácia se comprovou logo nos primeiros testes: o inseticida biológico à base do vírus matou um grupo de 80 lagartas num fim de semana. E o importante é que o inseticida não faz mal ao ser humano, além de não agredir o meio ambiente e as lavouras.
Em muitos casos, a infestação de lagartas, principalmente nos pomares, deriva da falta de inimigos naturais. Os principais controladores biológicos das lagartas são seus parasitas: moscas, vespas, nematóides, vermes, percevejos e vírus. Já os principais predadores são moscas da família Tachinidae e vespas da família Ichneumonidae, que depositam seus ovos no dorso das taturanas. Quando nascem, as larvas da mosca ou da vespa se alimentam das vísceras da lagarta. Aves, anfíbios e mesmo mamíferos também são predadores de lagartas e taturanas, alguns mais especializados - e imunes a venenos - do que outros, embora as taturanas mais urticantes escapem mais ilesas do que as lagartas 'peladas'.
Algumas espécies vivem em grupos, andando em grupos de 70 a 80 indivíduos, como a própria Lonomia obliqua. Com os desmatamentos, diversas espécies se aproximam das áreas urbanas e 'invadem' quintais, jardins e pomares, com mais freqüência no verão, entre novembro e março. Uma boa parte das espécies vale-se de camuflagem - a capacidade de se confundir com o ambiente, graças ao padrão de cores e texturas - na tentativa de passar despercebida. A camuflagem é uma defesa contra os predadores naturais. Existem lagartas que imitam cobras, com 'olhos' falsos e tudo, sempre com o objetivo de escaparem ilesas. Esse tipo de disfarce, o de imitar um animal perigoso ou tóxico aos predadores, é chamado de mimetismo.
"Conhecer um inseto não é apenas evitar acidentes ou desenvolver novos conhecimentos, mas principalmente o de manter o equilíbrio ecológico. Borboletas e mariposas são importantes polinizadores e tanto as larvas (taturanas e lagartas), como os adultos, servem de alimento a diversos animais", reitera o pesquisador do Instituto Butantan. Vale lembrar que a boa convivência com algumas espécies de lepidópteros também gera bens de alto valor econômico, como no caso da domesticação da lagarta da mariposa Bombyx mori, nativa da Ásia, que fornece ao homem um dos mais belos e elegantes tecidos: a seda. Antes de virar mariposa, o bicho-da-seda produz um casulo tecido com um único fio de 900 metros de comprimento. São necessários 3 mil casulos na produção de meio quilo de seda.
Entre venenos e sedas, certamente há muito mais tesouros do que riscos escondidos no universo das lagartas e taturanas.
Fonte: EPTV.com